BIOGRAFIA DE ELIZABETH STANTON
Diz-se que
Abigail Adam alertou a seu marido, John Adams, antes que ele assinasse a
Declaração da Independência: “Se não se der cuidado e atenção particular às
damas, estamos determinadas a fomentar uma rebelião, e não nos submeteremos a
nenhuma lei na qual não tenhamos voz ou representação”. Por décadas, pouco
aconteceu.
Foi então
que Elizabeth Cady Stanton lançou o movimento para os direitos da mulher e
ajudou a estabelecer quatro organizações para promovê-los. Ela estabeleceu a
agenda: direitos de propriedade iguais, incluindo o direito de firmar e
rescindir contratos, o direito de possuir propriedade, e o direito de herdar
propriedade; o direito de compartilhar a custódia de filhos; e sufrágio
feminino, para ajudar a assegurar esses direitos.
Impressionada
com a sua determinação, a abolicionista quacre Lucretia Mott disse a Stanton:
“És tão devota a esta causa que deves presumir ser a pioneira deste trabalho”.
O editor abolicionista William Lloyd Garrison declarou: “A Sra. Stanton é uma
mulher destemida e luta pelos direitos da mulher com toda a sua alma”.O orador
abolicionista Frederick Douglass relembrou como Stanton, “por meio daquela lógica
que domina, foi bem-sucedida na empreitada de convencer-me da sabedoria e
verdade do novo evangelho dos direitos da mulher”.
Susan B.
Anthony, convertida por Stanton à causa dos direitos da mulher, escreveu:
“Sinto que sempre tive a opinião da Sra. Stanton antes mesmo de saber em que
posição me encontrava”. Stanton trabalhou com Anthony por mais de meio século,
em uma das maiores parcerias na história da liberdade. Anthony tornou-se a
principal organizadora pelos direitos da mulher, enquanto Stanton expressava a
ideologia, desenvolvia a estratégia e escrevia muitos dos discursos,
proclamações e encômios de Anthony. Repetidamente, Anthony pleiteou por
material: “Sra. Stanton… Eu imploro… coloca-te a trabalhar… Não digas não, nem
atrases o trabalho por um momento que seja; pois preciso ter tudo pronto e
guardado na memória… Vais carregar minha arma, deixando-me puxar o gatilho e
disparar a bala e a pólvora?”
Até mesmo
Wendell Phillips, o grande orador abolicionista, apreciava a ajuda da inflamada
caneta de Stanton. “Se me perdoares e esqueceres”, ele escreveu a ela, “e me
convidares para o café da manhã, jantar ou chá, estalarei meus dedos para a
plateia e me alimentarei das suas coisas boas como fiz antes, e roubarei para
os meus discursos as coisas boas que não são de comer”.
Stanton
aprendeu com muitos dos maiores pensadores liberais. Ela leu os escritos de
Mary Wollstonecraft, a primeira a aplicar os princípios de direitos naturais às
mulheres; conheceu John Bright, que lutou em favor do livre mercado, da paz e
do sufrágio mais amplo; e John Greenleaf Whittier, o mais célebre poeta do
movimento abolicionista. Ela elogiou Herbert Spencer, o campeão do laissez-faire,
pela sua “grandiosa filosofia da vida! Ela leu livros do moralista Leo Tolstoy
e apreciava o individualista Mark Twain, “cuja graça somente pode ser igualada
a sua moral”. Ela escreveu ao filófoso John Stuart Mill, autor de The
Subjection of Women [A sujeição das mulheres]: “Largo o livro com uma paz e
felicidade nunca sentidas antes”.
Desta
maneira a sua biógrafa Elizabeth Griffith caracterizou-a nos anos 1870, quando
ela era uma famosa palestrante: “A Sra. Stanton tinha a habilidade de satisfazer
multidões. Seu estilo era cativante, sua voz suave e tranquila e suas maneiras
graciosas e femininas. Um observador recorda que ela era uma oradora ‘poderosa,
empolgante’, cuja inteligência natural fazia rir a audiência. Apesar da
gravidade do assunto tratado por ela, o jornal San Francisco Chronicle
descreveu-a simplesmente como ‘alegre’. Outro espectador descreveu-a como
‘roliça como uma perdiz’”. Com a sua cútis rosada, cabelos brancos e medidas
generosas, ‘ela poderia ser confundida com a mãe de um governador ou
presidente’, escreveu um de seus admiradores. A aparência de Stanton começou a
ser comparada à da rainha Vitória e à da mãe de George Washington. Ela era
vista como maternal, digna e eminentemente respeitável”.
A acadêmica
Ellen Carol DuBois maravilhou-se com o fato de Stanton ter vivido com “saúde
mental e física próxima da perfeição. Ela era brilhante e instruída, e era
também sensível, defendendo seu próprio peso (79 kg em 1860, passando de 108 kg
com idade mais avançada), sua propensão a cochilar frequentemente e a
sexualidade de todas as mulheres quando nada disso era considerado respeitável.
Ela tinha uma poderosa perspicácia, que usava para demolir seus inimigos e
manter seus amigos a uma distância respeitável. Sobretudo, comprometia-se a
descobrir e compreender a longa história da opressão das mulheres e levá-las à
revolta contra este mal. Sua força de caráter, inteligência e vitalidade eram
tão grandes, e sua ira contra a opressão da mulher tão profunda, que vir a
conhecê-la agora… ainda é uma experiência tão inspiradora como deve ter sido
conhecê-la quando estava no auge de sua carreira”.
Elizabeth
Cady nasceu em 12 de novembro de 1815, em Johnston, estado de Nova York. Ela
era a sétima filha de Margaret Livingston, que teve um total de onze filhos. O
pai de Elizabeth, Daniel Cady, era um homem esforçado, aprendiz de sapateiro
que se tornou advogado. Cady desejava um filho e encontrava-se deprimido pela
morte dos seus cinco meninos, assim como de uma de suas meninas. Elizabeth
angustiava-se quando seu pai lhe dizia: “Eu queria que você fosse um menino!”.
Ela
frequentou o seminário feminino Troy, em Nova York, conduzido por Emma Willard,
que adotava a visão de direitos naturais e acreditava que a educação deveria
auxiliar na formação de um bom caráter, essencial para o avanço da mulher.
Willard lecionava literatura clássica, ciências e filosofia.
Em outubro
de 1839, Elizabeth conheceu Henry Stanton, que recrutou membros e arrecadou
dinheiro para a Sociedade Antiescravidão Americana. A biógrafa Griffith
observou que “ele era bonito, inteligente, cativante, eloquente, dominador,
masculino, exigente, charmoso e um bom dançarino… E ele ou não sabia disso ou
não se impressionava com as suas qualidades”. Eles se casaram em Johnstown, em
1º de maio de 1840.
Os Stanton
partiram para Londres para a Convenção Mundial Antiescravidão. Conheceram
diversas mulheres da Philadelphia, notavelmente a quacre Lucretia Mott, que, em
1833, criou a Sociedade Antiescravidão das Mulheres da Philadelphia e, quatro anos
depois, a Convenção Antiescravidão das Mulheres Americanas. Stanton recordou
que “A Sra. Mott foi uma completa revelação de caráter feminino para mim.
Frequentemente fazia-lhe perguntas… Ela contou-me… a respeito de Mary
Wollstonecraft, suas teorias sociais e suas exigências de igualdade para as
mulheres”.
A convenção
em Londres iniciou-se, com polêmicas, em 12 de junho de 1840, no Freemason’s
Hall, na Great Queen Street. Alguns clérigos reclamaram que mulheres não
deveriam estar presentes. Um acordo havia sido feito: mulheres poderiam
participar, mas elas deveriam ocupar as galerias. O editor do Liberator,
William Lloyd Garrison, uniu-se às mulheres, e Stanton e Mott decidiram que
fariam algo a respeito quando retornassem aos Estados Unidos. Assim nascia o
movimento pelos direitos da mulher.
Stanton
inspirou-se em Daniel O’Connell. “Ele prestou um belo tributo às mulheres”, ela
recordou. “Quase se podia saber o que ele dizia através das suas
características expressivas, seus belos gestos e a postura de todo o seu
corpo”. O libertador da Irlanda disse a Stanton que ela deveria ter objetivos
ambiciosos na sua luta pelos direitos da mulher, e foi o que ela fez.
Em junho de
1847, os Stanton mudaram-se para uma casa na Washington Street, em Seneca
Falls, estado de Nova York. No ano seguinte, Elizabeth Cady Stanton foi
convidada para visitar Lucretia Mott e três amigos quacres em Waterloo, cerca
de dez quilômetros ao norte de Seneca Falls. Eles decidiram convocar uma
reunião para tratar dos direitos da mulher, em 19 e 20 de julho de 1848.
Era
necessário algum tipo de documento para que eles pudessem focar os seus
esforços. Stanton redigiu A Declaration of Rights and Sentiments [Uma
declaração de direitos e opiniões], adotando a filosofia dos direitos naturais
da Declaração da Independência. Ela escreveu: “Decidido: que todas as leis
impedindo mulheres de ocuparem certa posição na sociedade, ou que as coloque em
posição inferior à de um homem, são contrárias ao grande preceito da natureza,
e portanto, não possuem força ou autoridade”. Também foi incluída uma cláusula
a respeito do sufrágio: “Decidido, que é o dever das mulheres deste país
assegurar para si o direito sagrado ao voto”. Ela declarou: “O direito é nosso.
Devemos possuí-lo. Vamos usá-lo”. Frederick Douglass afirmou que “foi através
do poder de escolher os governantes e fazer as leis que todos os demais
direitos puderam ser assegurados”. Em 19 de julho, a Declaration of Rights and
Sentiments foi assinada por 58 mulheres e 32 homens.
Em março de
1851, Stanton conheceu Susan Brownell Anthony, que estava na companhia de
Amelia Bloomer (a designer das calças largas que substituíram as
desconfortáveis saias de armação, tornando o trabalho mais fácil para as
mulheres). “Como me lembro daquele dia!”. Stanton escreveu mais tarde. “Lá
estava ela, com o seu rosto sincero e sorriso genial, vestida de musselina
cinza e chapéu da mesma cor, atenuada por fitas de um azul pálido. A perfeição
da elegância e da sobriedade. Admirei-a completamente”.
Anthony
nasceu em 15 de fevereiro de 1820, filha de Daniel Anthony, um quacre
empreendedor do ramo de fiação de algodão e abolicionista, da cidade de Adams,
estado de Massachusetts. Seu casamento com a batista Lucy Read escandalizou a
comunidade quacre. Quando o seu negócio foi destruído durante o Pânico de 1837,
ele passou à prática da agricultura próximo a Rochester, e Susan tornou-se
professora. A fazenda era um centro local da atividade abolicionista e
Frederick Douglass era um dos muitos visitantes. Anthony era membro ativa das
Filhas da Temperança e deixou a organização em 1852 para ajudar na criação da
Sociedade da Temperança de Nova York. A temperança era uma questão importante
na época, pois enfrentava-se um sério problema de alcoolismo. Como o marido
mantinha os bens da sua esposa em seu nome, não havia nada que ela pudesse
fazer se ele resolvesse esbanjar tudo o que possuíam. Desencorajar o consumo de
bebidas alcoólicas parecia ser uma boa maneira de ajudar as mulheres. Anthony
era uma mulher solteira, com disponibilidade de tempo para ajudar a organizar o
movimento feminista.
Uma parceria
então floresceu. Na sua mesa de jantar, Stanton desenvolveu estratégias e
escreveu discursos, e deu a Anthony conselhos sobre como melhorar o seu
discurso e lidar com os interrogatórios. “Susan apresentava um argumento
factual sólido, fascinante e estimulante à mente” , observou a biógrafa Rheta
Childe Dorr. “Mas algumas vezes difícil de compreender para aqueles que ouviam
apenas com as suas emoções”. Anthony fez discursos escritos por Stanton, reuniu
assinaturas para petições, organizou reuniões e arrecadou dinheiro.
Stanton
frequentemente fazia mais do que escrever discursos. Em fevereiro de 1854, ela
dirigiu-se ao Senado do estado de Nova York, declarando que o contrato
matrimonial deveria ser tratado como qualquer outro contrato, com privilégios e
obrigações mútuos. Ela insistia que as mulheres deveriam poder possuir
propriedade, pois muitos maridos perdiam os bens das suas esposas e os seus
próprios. Convidada por William Lloyd Garrison, Stanton discursou em um
encontro da Sociedade Antiescravista Americana e também escreveu para o New
York Tribune.
A Guerra
Civil deixou o movimento feminista em crise. Stanton acolheu a perspectiva de
pôr fim à escravidão e admitiu deixar as questões feministas em segundo plano
durante o período da guerra. Mas após a guerra, muitos líderes abolicionistas
passaram a temer que as protestos pelo sufrágio feminino enfraquecessem os
esforços de garantir os direitos fundamentais de antigos escravos. A acadêmica
Ellen Carol DuBois observou que: “O sufrágio negro ajudou a destruir quaisquer
dúvidas entre feministas de que o sufrágio era a chave também para a posição
legal das mulheres”.
Quando
Stanton e seu marido se separaram, ela se tornou mais ativa no movimento pelos
direitos da mulher. Foi eleita primeira vice-presidente da Associação Americana
por Direitos Iguais. Stanton e Anthony fizeram campanha para duas iniciativas a
respeito de eleições no Kansas. Ela relembrou que: “Discursamos em cabanas,
depósitos, escolas inacabadas, hotéis, celeiros e ao ar livre. Stanton passou a
editar o jornal semanal Revolution, mas perdeu dinheiro e Anthony pagou a sua
dívida. Stantou também formou a Associação pelo Sufrágio Feminino da América.
Em maio de
1869, Stanton foi eleita presidente da Associação Nacional pelo Sufrágio Feminino,
que tratava de um vasto campo de assuntos relativos à mulher. Lucy Stone criou
a rival Associação Americana pelo Sufrágio Feminino, com o foco em mulheres que
eram abolicionistas em primeiro lugar, e feministas em segundo. Stone era uma
respeitável habitante da Nova Inglaterra e via o oeste do país como não
civilizado. Stanton gostava de fazer campanha no oeste, onde muitos aceitavam
as mulheres como indivíduos.
Não demorou
muito até que Stanton decidisse abandonar as batalhas de organizações para
tornar-se palestrante profissional. Por cerca de uma década durante os anos
1870, ela foi muito solicitada como palestrante e celebridade. Começando todos
os anos em janeiro, ela embarcava em um tour de palestras que durava cinco
meses. Ela passava os verões com seus filhos e, uma vez que as aulas
reiniciavam, partia para um circuito de palestras por mais três meses.
Em 5 de
novembro de 1872, 16 mulheres de Rochester, incluindo Anthony, decidiram votar,
sob o risco serem multadas e passarem três meses na cadeia. Anthony persuadiu
os funcionários a inscreverem-na lendo a décima quarta (ratificada em 1868) e a
décima quinta (1870) emendas da Constituição americana que, supostamente,
protegiam o direito ao voto. Os funcionários subsequentemente decidiram que seu
voto era ilegal e, em 18 de novembro, Anthony foi detida quando estava em sua
casa. Ela recusou-se a pagar a multa, mas o juiz decidiu fechar o caso sem
mandá-la para a prisão, evitando maiores controvérsias.
Com a falta
de resultados da luta pelos direitos da mulher no tribunal, a Associação
Americana pelo Sufrágio Feminino focou-se nas legislaturas estaduais, e a
Associação Nacional pelo Sufrágio Feminino
lançou a
campanha para uma emenda constitucional pelo sufrágio feminino. Em 1878, o
senador da Califórnia A.A. Sargent apresentou o seguinte: “O direito dos
cidadãos dos Estados Unidos ao voto não deve ser negado ou diminuído pelos
Estados Unidos ou por qualquer outro estado por conta do sexo”. Proposta
repetidamente durante as quatro décadas seguintes, ela ficou mais tarde
conhecida como a emenda Anthony.
Inspirada
por Lucretia Mott, que faleceu em novembro de 1880, Elizabeth Cady Stanton
começou a escrever a história do sufrágio feminino. Ela trabalhou juntamente
com Anthony e Matilda Joslyn Gage, colaboradora com Revolution, reunindo
documentos. Stanton foi responsável por escrever a maior parte; Anthony
responsabilizou-se pela pesquisa e publicou o trabalho. Os três volumes,
publicados entre 1881 e 1886, foram oferecidos gratuitamente a bibliotecas, mas
muitas delas, incluindo a de Harvard, não quiseram aceitá-los.
Em 1890, os
principais sufragistas decidiram acabar com a divisão no movimento, e a
Associação Nacional pelo Sufrágio Feminino uniu-se à Associação Americana pelo
Sufrágio Feminino, ficando conhecida a partir de então com Nacional-Americana.
Stanton foi eleita a primeira presidente. Sua aposentadoria, em 1892, marcou o
fim de sua carreira como uma líder de organização.
Stanton
elevou o padrão de autossuficiência em seu discurso de despedida, “A solidão do
Eu”, proferido na convenção de 1892. “Nada fortalece o julgamento e acelera a
consciência como a responsabilidade individual”, ela disse. “Nada acrescenta
dignidade ao caráter como o reconhecimento de soberania própria… um lugar alcançado
por mérito pessoal, não uma realização artificial, recebida por herança,
família abastada e posição. Admitindo, então, que as responsabilidades da vida
recaem sobre homens e mulheres, que os seu destino é o mesmo, eles necessitam
da mesma preparação para a eternidade…cada alma deve depender inteiramente de
si mesma”. Ela proferiu esse discurso novamente diante do Comitê da Câmara no
Judiciário e no Comitê de Sufrágio Feminino do Senado. Cerca de dez mil cópias
do discurso foram distribuídas.
Em razão do
deu elevado peso e sua fragilidade, cada vez mais Stanton confinava-se na sua
cobertura de oito quartos que dividia com os filhos Margaret e Robert, em Nova
York. Anthony, porém, continuamente pedia-lhe que escrevesse discursos, cartas,
resoluções e encômios. O octogésimo aniversário de Stanton foi celebrado na
Metropolitan Opera. Seu nome foi escrito com flores de cravo em um banner, e
ela sentou em uma cadeira rodeada de rosas. Ela encontrava-se muito fraca para
dar mais do que uma saudação “à grande ideia que represento – a emancipação da
mulher”.
Stanton
dirigiu um comitê de sete acadêmicos que trabalharam em The Woman’s Bible [A
Bíblia da mulher]. “No início do século XIX”, ela explicou, “quando as mulheres
começaram a protestar contra a sua degradação civil e política, recorria-se à
bíblia como uma explicação. Quando protestaram sua posição desigual na igreja,
recorria-se à bíblia”. A em>Woman’s Bible apareceu em 1895; ela foi
reimpressa sete vezes em seis meses, e várias traduções foram feitas. Ela
provocou tanto ódio que a Nacional-Americana debateu uma proposta de censurar
sua primeira presidente, mas Anthony apresentou uma forte defesa.
Stanton
produziu sua autobiografia, Eighty Years and More [Oitenta anos e mais] (1898),
para confirmar a sua reputação de uma inteligente, amável e autossuficiente
defensora dos direitos da mulher. É um trabalho notável, embora alguns detalhes
de sua vida estejam em discordância com relatos anteriores. Como observou Ann
D. Gordon, a autobiografia “nos mostra um indivíduo muito forte, cujo senso de
poder e liderança raramente vacila. Embora internamente a história lembre os
leitores várias vezes que a autora ainda não é livre e aguarda a sua igualdade,
o livro evita sugerir que, na sua falta de liberdade, as mulheres são vítimas…
ele relata uma enorme mudança forjada pelas mulheres”.
Enquanto
isso, o movimento feminista havia estagnado. Wyoming, o primeiro território dos
Estados Unidos com sufrágio feminino, tornou-se o primeiro estado americano com
sufrágio feminino em 28 de março de 1890, mas os únicos estados além deste a
adotarem o sufrágio foram o Colorado (1893), Idaho (1896) e Utah (1896). Nenhum
estado do leste do país mostrou interesse. Desde 1893, nem o Senado, nem a
Câmara dos Deputados havia posto em prática a emenda de sufrágio proposta.
Em junho de
1902, Anthony fez uma visita a Stanton, que já se encontrava com a saúde
debilitada. Anthony abraçou-a e chorou: “Verei-a novamente?”. Stanton
respondeu: “Sim, se não aqui, na outra vida, se é que existe uma, e, se não
houver, nunca saberemos”. Anthony escreveu a sua última e mais pungente carta a
Stanton, relembrando que “Na velhice e em todo tempo tenho te seguido de perto.
Nos conhecemos há 51 anos e estivemos ocupadas durante cada um deles,
despertando o mundo para que reconhecesse os direitos da mulher… Quando
iniciamos esta luta, otimistas com a esperança e vivacidade da juventude, nem
sonhávamos que meio século depois seríamos obrigadas a deixar o final da
batalha nas mãos de outra geração de mulheres. Mas nossos corações estão cheios
de alegria de saber que elas entram nesta missão equipadas com educação
superior, experiência profissional, com o direito pleno de falarem em público –
direitos que não possuíamos cinquenta anos atrás. Existe ainda praticamente um
ponto a ser alcançado – o sufrágio. Estas fortes, corajosas e capazes jovens
tomarão os nossos lugares e completarão nosso trabalho. Há um exército delas. O
velho preconceito foi tão atenuado, a opinião pública tão liberalizada, e as
mulheres demonstraram com tanta habilidade sua capacidade que não há sombra de
dúvida de que elas alcançarão a vitória para a nossa causa”.
Elizabeth
Cady Stanton faleceu em 26 de outubro de 1902, aos 86 anos de idade, diante de
todos os seus seis filhos ainda vivos. Foi realizada uma cerimônia fúnebre
privada no seu apartamento em Nova York. A mesa onde ela escreveu a Declaration
of Rights and Sentiments de Seneca Falls estava próxima ao seu caixão, exibindo
algumas cópias de The History of Woman Sufragge. Phebe Hanaford, que havia
contribuído com The Woman’s Bible, conduziu a cerimônia no Cemitério Woodland.
Anthony
viveu por mais três anos. Em janeiro de 1906, ela foi acometida por uma gripe,
que transformou-se em pneumonia. Anna H. Shaw, presidente da
Nacional-Americana, fez companhia a ela e relembrou que: “Na última tarde de
sua vida, depois de permanecer calada por horas, ela repentinamente começou a
nomear todas as mulheres com quem já havia trabalhado, como se fosse uma última
chamada”. Anthony faleceu na sua casa em Rochester, na Rua Madison, número 17,
numa terça-feira, 13 de março de 1906, aos 86 anos. Ela usava um broche de uma
bandeira dos Estados Unidos com quatro estrelas de diamante, as únicas quatro
estrelas, representando os estados onde havia sufrágio feminino. Cerca de dez
mil pessoas prestaram homenagem na Igreja Presbiteriana Central de Rochester.
Ela deixou todos os seus bens para a Nacional-Americana.
O movimento
feminista readquiriu forças em 1910, quando sufragistas reuniram 404 mil
assinaturas para suas petições, e o estado de Washington legalizou o sufrágio
feminino. No ano seguinte, o estado da Califórnia garantiu o sufrágio às
mulheres. A Câmara dos Deputados apoiou a emenda do sufrágio em 10 de janeiro
de 1918 e, em 4 de junho de 1919, o Senado aprovou-a. Em 26 de agosto de 1920,
o Tennessee tornou-se o trigésimo sexto estado a ratifica-lá; a emenda do
sufrágio tornou-se a décima nona emenda, e 26 milhões de mulheres passaram a
ter o direito ao voto. O Supremo Tribunal apoiou a décima nona emenda em
fevereiro de 1922.
Fora uma
jornada surpreendente. Em 52 anos, relembrou Chapman Catt, sufragistas
conduziram “56 campanhas de referendos a eleitores do sexo masculino; 480
campanhas para a criação de emendas de sufrágio, 47 campanhas para fazer com
que assembleias constitucionais estaduais inserissem o sufrágio feminino em
suas constituições; 277 campanhas para fazer com que convenções estaduais de
partidos incluíssem o sufrágio feminino em suas plataformas; 30 campanhas para
que convenções presidenciais de partidos adotassem o sufrágio feminino em suas
plataformas de partido, e 19 campanhas com 19 Congressos sucessivos”.
Anthony era
considerada a grande heroína do sufrágio feminino e surgiram várias biografias.
A Casa da Moeda americana prestou tributo a Anthony quando lançou uma nova
moeda de um dólar em 1979. Desde então, historiadores têm reconsiderado a vida
de Stanton. A editora Little Brown publicou Elizabeth Cady Stanton: A Radical
for Woman’s Rights [Elizabeth Cady Stanton: uma radical pelos direitos
femininos], de Lois Banner (1980). A Oxford University Press
publicou o livro In Her Own Right: The Life of Elizabeth Cady Stanton [Direito
seu: A vida de Elizabeth Cady Stanton], de Elizabeth Griffith, em 1984. Ellen
Carol DuBois enfatizou a grande parceria em The Elizabeth Cady Stanton – Susan
B. Anthony Reader [A antologia Elizabeth Cady Stanton – Susan B. Anthony]
(1981). Na Universidade
de Rutgers, acadêmicos iniciaram a busca por materiais a respeito de Stanton e
Anthony em arquivos, jornais e coleções pessoais. “Documentos foram encontrados
e copiados em 2 mil bibliotecas e arquivos nos Estados Unidos, Canadá, Nova
Zelândia, Inglaterra, Países Baixos, França e Alemanha e em aproximadamente
setecentos jornais e periódicos diferentes”, relatou Ann D. Gorndon. O primeiro
volume surgiu em 1997.
Elizabeth
Cady Stanton estava certa em permanecer focada na questão principal, liberdade
humana, e não apenas no voto. Ela demonstrou visão audaz ao insistir que os
princípios de direitos naturais, expressos na Declaração da Independência, são
a chave para libertar pessoas em todos os lugares. Ela compreendeu a vitalidade
da propriedade sobre si, da propriedade privada, da liberdade de contrato e da
liberdade de movimento. Ela deu seu coração e alma aos direitos da mulher.
Ninguém teve uma caneta mais eloquente. Ela foi uma grande campeã.